quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sinfonia do Século 21 (ou: montagem vs. publicidade)

Usando o mesmo tema do post anterior mas fazendo um curta-metragem de forma completamente oposta temos o "21st Century Symphony", dirigido por Raphael Erichsen e editado por André Amaral (dois ótimos amigos também). Aqui eles também usam a publicidade para conduzir o documentário que segundo eles é uma homenagem ao "O homem da câmera" do russo Dziga Vertov, um dos melhores exemplos de montagem de todos os tempos (a própria montagem é na verdade um dos temas do curta).

Em 21st Century Symphony não temos a manipulação e os truques de montagem do curta original e não temos também o uso das publicidades impressas mencionadas no exemplo do post anterior. O que este curta joga é com imagens gravadas na rua onde vemos a publicidade interagir com o ambiente: seja a relação com as pessoas, com os carros ou mesmo com as outras publicidades, presentes nos ônibus ingleses, nas vitrines, nos outdoors. O interessante é como a montagem usa todos esses elementos para contar a história e montar essa "corrida diária onde os jogadores tem regras a seguir e objetivos a alcançar". As frases criadas em montagem em que vemos uma publicidade complementando a outra, gerando novos sentidos, é extremamente eficaz e bem elaboradas.

Um olhar muito interessante sobre as imagens e situações do dia-a-dia.

21st Century Symphony from André Amaral on Vimeo.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Recortes e montagem (ou: como a montagem pode ajudar o baixo orçamento)

A boa montagem é amiga do baixo orçamento. Explico: é possível fazer um bom curta sem gravar um segundo sequer? É o que faz justamente grande parte dos curtas em animação e boa parte dos documentaristas.

A animação muitas vezes trabalha com 3D ou elementos associados à alta tecnologia, o que no caso das animações da Pixar, por exemplo, não quer dizer que seja exatamente "baixo orçamento". O documentário é em geral um ótimo campo para experimentações e vem dele nos últimos tempos excelentes idéias associadas ao uso da montagem. Nele pode-se quase tudo, contanto que as imagens utilizadas tenham a ver com a idéia que se quer passar e dêem continuidade ao assunto. Animações, manipulações de imagem, imagens de arquivo, fotos, áudios de diferentes fontes... Tudo acaba sendo misturado no processo de edição e passam muitas vezes a assumir novos sentidos. A edição não-linear atual ajuda nesse sentido, pois os diferentes formatos são facilmente integrados no computador. E isso quer dizer que excelentes peças possam ser feitas apenas manipulando materiais já existentes, o que estaria associado ao baixo orçamento.

Um exemplo que me pareceu interessante é o "This is a recorded message" de 1973 do canadense Jean-Thomas Bédard. Aqui ele faz um interessante curta-metragem usando apenas recortes de publicidade e fotos de diferentes fontes. Com esses elementos pretende criticar o consumismo do mundo capitalista. "A publicidade sedutora é vista como a principal força de motivação no sentido de moldar os desejos, as necessidades e, em uma escala mais ampla, as vidas de homens e mulheres modernos", diz a sinopse no site do National Film Board do Canadá.

Um curta-metragem interessante que, feito todo em montagem, se apropria da publicidade que está ao nosso alcance para, manipulando tudo isso, passar uma eficiente mensagem.

E podemos concluir também que no final das contas a publicidade joga na maioria das vezes com os mesmos temas, enquadrados sob os mesmos planos.

Confira o curta abaixo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Montagem Vertical (ou: Rybczynski vs. Green Day)

A Montagem Vertical pode ser caracterizada como uma técnica de pós-produção e se define por pensar dentro do quadro, agregando elementos que acontecem simultaneamente. Um efeito especial ou uma composição de imagens poderia estar dentro desse processo, já que cria uma imagem composta. O lado vertical também se relaciona com as próprias timelines (ou linhas do tempo) dos softwares de edição, em que um layer ou canal se sobrepõe ao outro, cada um como uma imagem, efeito ou elemento sobre as demais.

Mas muito diferente de colocar uma imagem ou elemento gerado em 3D dentro de outra, por exemplo, é usar diferentes situações acontecendo simultaneamente e pensar em uma peça que jogue com essas possibilidades, gerando elementos narrativos. Mais que enganar o olho do espectador com um efeito invisível, aqui se busca mostrar esses recursos para conquistá-lo.

É o que faz com maestria o diretor/animador polonês Zbigniew (ou Zbig) Rybczynski em seus curtas, como por exemplo no "Tango" de 1980. Aqui temos um apenas um quadro fixo com diferentes situações cruzadas acontecendo simultaneamente.



Como tudo acaba chegando aos videoclips (hoje em dia muitas vezes esses recursos são criados neles), eis como o curta foi lido em uma adaptação (homenagem/plágio?) da banda Green Day (para a música Redundant do álbum Nimrod de 1997). Vemos a banda se relacionar com o mesmo tipo de situação, incluindo uns personagens similares (a mulher que se veste, o casal que namora no sofá, etc).



Dois bons exemplos da montagem usada sabiamente para gerar efeitos narrativos, ampliando seus recursos.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Nós somos Maus! (ou: os "aliens" de Distrito 9 e Avatar)

Os recentes "Avatar" de James Cameron e "Distrito 9" do sul-africano Neill Blomkamp partem de um mesmo princípio: nós somos maus.

Se no primeiro filme da franquia Alien (de Ridley Scott), uma assustada Sigourney Weaver tentava salvar a vida ao lutar com uma criatura misteriosa e desconhecida, em Avatar a própria atriz é quem tenta fazer os humanos entenderem e respeitarem esses seres de outro planeta, talvez não tão diferentes assim de nós. No primeiro se trabalhava com o desconhecido; o ano era 1979 (James Cameron, de Avatar, dirigiu o segundo filme da série, em 1986) e a Internet ainda não tinha ajudado a aproximar-nos de forma espantosamente rápida. Ainda convivíamos com o racismo, com problemas de imigração, com o medo americano do comunismo e o pleno desconhecimento de outros países do globo - o desconhecimento do ser extraterrestre era na verdade o nosso próprio desconhecimento. O medo do desconhecido era o próprio medo de conhecer-se profundamente.

Agora o desafio parece ser outro; seria mais unir-se em busca de soluções para enfrentar o aquecimento global ou a crise mundial econômica, por exemplo; e nestes dois pontos, sabemos que o desenvolvimento tecnológico e a economia capitalista que por um lado parece desenvolver o mundo, por outro, o destrói rapidamente - e isso não depende da ação isolada de uma ou outra nação. Daí a possível migração para um planeta desconhecido para deles tirar o que poderia ser a nossa salvação. No caso de Avatar é ainda pior: não se extrai para salvar a Terra e sim para gerar mais e melhores rendimentos, custe o que custar. Aqui a mensagem é clara (e por vezes, demasiadamente literária): a ecologia existe para nos servir, para nos fornecer material e para podermos usá-la como moeda de troca.

Em "Distrito 9" a mensagem é ainda mais interessante. Se os aliens estivessem aqui, estaríamos também explorando-os, marginalizando-os a guetos, tentando entender e explorar sua tecnologia bélica. Os aliens em si não interessam, integrá-los não faz parte do plano. E já os conhecemos muito bem, eles estão entre nós e já é coisa antiga; já não tememos mais o desconhecido. Agora tememos nossa própria índole e sabemos que a salvação não virá do outro planeta ou de possíveis descobertas tecnológicas; estamos na verdade fadados ao fracasso, aconteça o que acontecer. E se falávamos do racismo e do preconceito ao outro, aqui o filme nos fornece um eficiente tapa na cara. Não é que não conhecemos o outro ou o tememos; sabemos muito bem o que está do outro lado, isto já existe faz tempo, estes "aliens" estão a um bom tempo entre nós e mesmo assim, ainda não empregamos nenhum esforço em integrá-los. Os aliens aqui somos nós mesmos; a visão deturpada de uma parcela de nós. O fato da favela usada para a filmagem ser um local real e a equipe a ter usado após um verdadeiro remanejamento destas pessoas para novos blocos comerciais (de pessoas pobres e majoritariamente negras) é mais representativo impossível. Na cena em que eles usam o então mutante para matar um extraterrestre (o que o personagem viria se tornar depois), vemos semelhanças com outros filmes que abordam as mesmas situações: seja na arma da mão da criança para matar outra do "Cidade de Deus" de Fernando Meirelles, ou na mesma situação do "Diamante de Sangue" de Edward Zwick (dois filmes que também trabalham a questão racial e a vida nas situações-limite).

Mas nestes dois filmes, "Avatar" e "Distrito 9", existe a salvação: não da humanidade e sim do personagem. Nos dois, esta salvação se faz pela total transformação humano-alienígena. Ou seja: não é possível compreender o outro, não é possível conviver harmonicamente, não é possível salvar o nosso planeta do que quer que seja, como fazia no passado todas as histórias de super-heróis. Agora, parece que precisamos transformar-nos totalmente em outra coisa e integrar-nos a um mundo que não é o nosso. Para o nosso mesmo já não há mais salvação. Estamos fadados ao fracasso.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Promo do Lost - quebra-cabeças

Já que falávamos de chamadas televisivas no post anterior, eis aqui uma que consegue jogar com o universo da Série, criar uma boa expectativa e ter uma idéia bacana por trás, apoiada por uma excelente direção de arte.

Me refiro à chamada que o canal Cuatro espanhol fez para a série Lost.

O Cuatro é um dos canais da Espanha que melhor sabe usar o 3D; em geral não usa apenas para o letreiro do filme ou série e consegue sempre criar uns elementos interessantes como inserir o logo da emissora dentro da cena, interagindo com o personagem principal em pequenos teasers. Nada muito novo, mas pelo menos ali é bem feito e convence. Neste exemplo do Lost, eles criaram um bom conceito (o do jogo de xadrez) e os elementos estão muito bem integrados às imagens originais.

A Chamada parece que teve apoio dos criadores e uma versão (com a voz de Terry O'Quinn, o Lock) foi feita posteriormente nos Estados Unidos. Aqui vai ela. Para ver a original, com o locutor espanhol, clique aqui. Eis uma boa chamada para uma excelente série. Coisa rara.


Montagem, diretores e o Super Bowl

"E se o Super Bowl fosse dirigido por grandes diretores?"

É o que o vídeo do tal Andrew Bouvé tenta responder. Mais que nada, um interessante exercício de edição, já que é o próprio que escreve, produz e edita o pequeno filme. Ali, vemos as misturas de linguagem, telas divididas e o uso da animação (com influência japonesa) de Tarantino. Movimentos para frente e para trás, áudio separado de vídeo, planos desconexos para causar a estranheza de um David Lynch. O Slow, as telas de abertura e o "This Time Tomorrow" dos Kinks dando ritmo a la Wes Anderson. O bom título de abertura, locução em francês e interessantes comentários vindos de um espectador em uma romântica homenagem a Godard. E um documentário artístico de um possível Herzog.



Interessante associação feita por ele e excelente homenagem em um exercício de montagem a estes que poderiam ser considerados alguns dos que melhor sabem usar este recurso atualmente dentro do cinema americano (francês no caso do Godard). Não só todos eles têm um estilo característico, como boa parte deste estilo existe justamente pelo uso da montagem. No caso do Godard, daria para jogar melhor com a montagem inclusive: usando os jump cuts característicos de seu "Acossado" (1959) ou a mistura de linguagens e lettering de sua série para TV "Histoire(s) du Cinéma" (1998), por exemplo. Outro que poderia estar neste vídeo é Oliver Stone, mais um dos grandes da arte, mas que já tem um filme inteiro com o tema do futebol americano e sua Super Bowl (extremamente bem montado, diga-se): o "Um domingo qualquer", de 1999. Muito mais difícil seria fazer uma adaptação estilo Woody Allen, Irmãos Cohen ou Jim Jarmusch, por exemplo, diretores que como estes também poderiam ser considerados "alternativos", mais que são muito mais reconhecíveis pela estrutura do roteiro ou perfil dos personagens.

Esta possível chamada do evento televisivo, um cruzamento entre o que poderia fazer uma ESPN e uma HBO, não subestima a inteligência do espectador (como faz quase toda a programação da TV aberta nacional, incluindo as chamadas) e usa seus recursos para ampliar outros conceitos. Um bom exercício que deveria ser cultivado.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A crítica da crítica (ou: como não fazer entrevistas por email)

Na edição número 15 da "Teorema" (dezembro/2009), revista de críticas de cinema, foi publicada uma entrevista (feita por Rodrigo Fonseca) com o cineasta e também ator japonês Takeshi Kitano. Este é conhecido (e sempre presente nas mostras de cinema brasileiras) por filmes tão diferentes como Hana Bi- Fogos de Artifício, Zatoichi, Dolls, Brother, entre outros. A entrevista é feita por e-mail, "com a ajuda de um intérprete", como diz a apresentação, o que certamente dificulta a seqüência das perguntas e o direcionamento do tema previsto pelo entrevistador.


Mas vamos aos fatos.

A entrevista tem (de forma resumida) essa estrutura:

Pergunta 1: Comparação do penúltimo filme do diretor com o Oito e Meio do Fellini.
Pergunta 2: Qual o papel do diretor no cinema japonês contemporâneo?
Pergunta 3: Influência de realizadores japoneses como Kurosawa, Ozu e Mizoguchi. Opinião sobre Nagisa Oshima e Shohei Imamura.
Pergunta 4: Opinião sobre animação e o Akira, de Katsuhiro Otomo.
Pergunta 5: Opinião sobre as adaptações de Hollywood aos filmes de gênero, como O Chamado, O Grito ou Água Negra.
Pergunta 6: Relação com o cinema brasileiro (!!!)

Para daí vir aqui o melhor de tudo; as frases finais da entrevista; a resposta do diretor japonês:

"Desde que tenho andado pelos festivais, eu tenho sido inundado por perguntas acerca da influência de Fellini, de Godard e Jean-Pierre Melville, de Kurosawa, de Ozu e de Mizoguchi em minha obra. Conforme essas perguntas se repetiam, repetia-se o meu embaraço pelo fato de nunca ter visto nada desses realizadores até aquele momento. Foi quando comecei a ver filmes com disciplina. Foi uma decisão quase forçada".

Isso aponta para alguns fatores que sempre me incomodaram na tal da "crítica" de cinema:

1. Por que perguntar para um diretor a opinião dele sobre os demais? E mais: para quê perguntar a opinião dele sobre exemplos alheios ao seu universo e obra (como o cinema brasileiro, a animação ou os filmes de gênero, nesse caso). Diretor faz filme e não necessariamente, vê filmes. Quem precisa ter repertório é (necessariamente) a crítica, não o cineasta.

2. Por que, ao invés, não se aprofundar nas idéias por trás dos filmes do diretor; nas escolhas estéticas dele; na concepção dos personagens; na diferença de planejamento ou mesmo, de produção, de filmes orientais e ocidentais; como ele vê o próprio ofício e o que busca inovar em cada filme; etc.

3. Por que a crítica esforça-se tanto em mostrar que têm repertório ao invés de mostrar que consegue tirar proveito das idéias de um diretor para ampliar o conhecimento geral sobre cinema?

Fica pelo menos a impressão de que o repórter (e a revista) gastaram uns 15 minutos para planejar tal entrevista (tirando a produção - de conseguir o contato do diretor); que os leitores saíram frustrados e aprenderam pouca coisa sobre o universo e os filmes do diretor; e que a imprensa (em especial a brasileira) esforça-se em repetir o que outros críticos de outros países fazem - perguntam as mesmas coisas, em cima das mesmas referências.

Sorte da revista, do repórter e do leitor que o cineasta é simpático e consegue, ainda assim, fornecer algumas informações interessantes. Poucas, é verdade.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Declaração de princípios (ou: porque tudo que começa há de ter um início)

Corta-e-cola se relaciona com a boa montagem cinematográfica (e também televisiva). Pegar daqui, reproduzir diferente ali, buscar novas alternativas, multiplicar elementos. Essa Montagem Visível (tema de minha dissertação de mestrado) que se faz presente na tela se relaciona com o que já faziam os russos em 1920 e que os americanos em 50 e 60 procuraram reduzir (ou aniquilar), acreditando que perceber os elementos do processo cinematográfico distanciariam o espectador da estória que estava sendo contada.

Comentar boas alternativas, levantar tendências, criticar os filmes (e quem os critica) e multiplicar a informação e a discussão sobre o audiovisual é o propósito deste blog.

Sinta-se livre para comentar e criticar (também) como quiser.