segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O oscar de montagem (ou: entre Inception e Social Network fico com Scott Pilgrim)

Contrariando a lógica de que o filme que vence o Oscar de montagem também ganha direção e melhor filme (lógica que prevaleceu ano passado com o Guerra ao Terror de Kathryn Bigelow, como falamos aqui), este ano tivemos A Rede Social premiado nesta categoria, enquanto os outros dois prêmios ficavam para O Discurso do Rei, de Tom Hooper. Outra coisa que também não aconteceu foi montagem ser premiada junto com categorias mais técnicas como as relacionados a som e efeitos especiais (aqui deu A Origem de Christopher Nolan -que não foi indicado como diretor, inclusive).


Logicamente os montadores Kirk Baxter e Angus Wall têm seus méritos, já que conseguiram dar bom ritmo e tornar bastante interessante um filme feito basicamente em cima de diálogos. Confira abaixo uma entrevista feita com os dois no momento seguinte à premiação. Aí eles comentam um pouco sobre essa dificuldade de trabalhar com muito texto; sobre o trabalho com David Fincher; e lamentam o diretor não ter levado no momento seguinte ao deles o prêmio também.



Mas se no post do ano anterior eu lembrava da não indicação de Redacted, de Brian de Palma para a premiação nesta categoria (o que já me parecia bastante estranho), este ano acho revoltante não termos Scott Pilgrim contra o Mundo, de Edgar Wright disputando a estatueta. Um filme atual e inovador, com uma quantidade assustadora de novas idéias por minuto, bem dirigido e bem adaptado do universo da HQ, com ritmo impressionante, apoiado em muitos efeitos e elementos gráficos diferentes. Um filme difícil de fazer e que se relaciona, na minha opinião, muito melhor com esse universo virtual/eletrônico atual, de tantas músicas em mp3, jogos de video game, televisão e Youtube (e faz isso através de um uso animal da montagem). Universo este que deveria também estar representado em A Rede Social, já que se relaciona com a história do Facebook, meio que junta todas essas mídias. A Rede Social usa da rapidez e agilidade da interação das redes sociais e é um filme inteligente e bem estruturado, mas é um filme de texto, de diálogo, careta portanto em certo sentido.

Se você acha que estou forçando a barra e a coisa não é bem nestes termos, veja abaixo então um extenso vídeo sobre os diferentes efeitos presentes no Scott Pilgrim, comentados pelo diretor de arte Nigel Churcher. (No Youtube também tem um making of de quase 50 minutos com detalhes do filme, para quem quiser se aprofundar mais).



Com isso, acho que a premiação do Oscar que vimos ontem ficou ainda mas sem graça, já que nela vimos poucos filmes competirem entre si em quase todas as categorias, sendo que muitas delas a vitória já era dada como certa por um deles muito antes de ser anunciada (como foi no caso de Toy Story 3). Mais competidores dariam mais dinamismo para a premiação, além de mostrar aos telespectadores que Hollywood não vai tão mal das pernas assim.

Em tempo: cabe aqui algumas ressalvas. Confesso que não vi ainda o 127 horas de Danny Boyle, diretor este que soube jogar incrivelmente com a montagem em diferentes filmes; seja com a lógica televisiva/bollywood em Quem quer ser um milionário?; seja com o irregular A Praia, em que víamos uma viagem de Leonardo DiCaprio inspirada também nos jogos de video game; ou no inquestionável Trainspotting. Muitos já me falaram que 127 horas cumpre o esperado.
Outra coisa é que também não mencionei Aronofsky e seu excelente Cisne Negro, filme magistral de outro diretor que sabe usar a montagem como poucos -Réquiem para um sonho e Pi são exemplos claros disso- e Cisne Negro não foge à regra. De um modo ou outro podemos dizer que a disputa estava mesmo acirrada. Se por um lado faltou Scott Pilgrim, por outro sobrou talento em poucos (e grandes) nomes.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Dexter, quadrinhos e internet


Pouquíssimas são as adaptações de HQs no cinema que conseguem fazer com que o espectador tenha uma experiência tão interessante quanto a que este tem em frente aos quadrinhos. O próprio fato do leitor juntar na sua cabeça uma imagem com a seguinte no gibi já obriga uma relação mais profunda, menos passiva que a do espectador comedor de pipocas (alguns chegam a dizer que a relação com o gibi é obrigatoriamente interativa). Os dois melhores filmes a tentarem uma experiência algo mais inteligente, na minha opinião, foram na verdade dois grandes fracassos: o primeiro é o Hulk do Ang Lee, condenado pelo CG terrível -e pela presença do Eric Bana-; o segundo é o Scott Pilgrim, que quase não entrou nos cinemas brasileiros e foi ignorado pela presente edição dos Oscars.

Eu achava que o cinema jamais conseguiria adaptar fielmente (ou criativamente) o trabalho de ilustradores como o Dave Mckean (das capas do Sandman) e Bill Sienkiewicz (de Elektra Assassina e Asilo Arkham). Bom, o primeiro já teve sua chance na direção com o Máscara da Ilusão (2005), filme que tentou usar o 3D de forma diferente, segundo ele feito por menos pessoas, com o intuito de ser mais "autoral", mas com um resultado cansativo e bastante irregular. Mas eu nunca tinha visto nada feito pelo segundo.

Não até os seis webisodes que ele assinou, no final do ano passado, para a ampliação do universo da série Dexter. Mesmo com uma animação simples e um roteiro fiel à estrutura da série mas pouco aberto a experimentações narrativas, os belos desenhos conseguiram gerar um bom clima e são, de qualquer forma, um uso criativo de uma série de TV (voltado neste caso exclusivamente para a Internet). Pros que ainda não tinham visto, vejam o primeiro episódio da série abaixo e na sequência o making of (que ele não aparece). Para ver os demais episódios, clique aqui.





E já que estamos falando de Dexter, veja também a música que o Pogo (falei mais dele aqui) fez em cima dos ruídos e barulhos da série, em outro bom exercício de edição.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Everything is a remix. (ou: expondo e discutindo a manjada indústria cinematográfica)

Nada se cria. Tudo se copia. Segundo Kirby Ferguson, nos dias de hoje, everything is a remix.

Em cima deste conceito, o americano está criando uma série de vídeos (2 até o momento) que mostra como a indústria cultural, principalmente música (no primeiro vídeo) e cinema (no segundo), não consegue não se apropriar do já existente para criar novos produtos (como um terrível vício). A tese é logicamente mais antiga que esses caras e está sendo hoje em dia muito expandida dentro dos meios acadêmicos. Rick Altman no seu importante livro Os gêneros cinematográficos (2000) falava que este vício vem da necessidade da indústria de estar sempre criando franquias para fidelizar o público (gerando assim mais dinheiro) e o francês Nicolas Borriaud em seu Pós-produção (2007 - falei mais sobre ele aqui) discutia como hoje é mais legal justamente se apropriar do já feito para gerar novos produtos (aqui na verdade ia para o lado da apropriação e alteração em montagem, um uso mais artístico e consequentemente, mais valioso).


Mas nenhum dos acadêmicos fez um vídeo tão interessante e bem editado como fez o senhor Ferguson (o figura acima), que ainda por cima ilustra claramente como a indústria cinematográfica é repetitiva, girando sempre sobre os mesmos temas e conceitos (inclusive visualmente). Cinema é indústria e, para isso, deve render dinheiro (o formato disto foi inclusive brilhantemente atacado recentemente pelo mestre Coppola - ver aqui). E para render dinheiro, nada como jogar em terreno seguro, na melhor lógica de não se mexe em time que está ganhando (se está realmente ganhando nos dias de hoje é outro ponto a se discutir).

Vejam o vídeo abaixo. É o segundo da série. E aqui fala só sobre cinema.



Ilustrando também o conceito e focando sobre o exemplo do Kill Bill (mencionado no final do exemplo acima), o editor Rob Wilson fez outro vídeo (em parceria com Ferguson, inclusive) que mostra todas as milhares de referências usadas por Tarantino para compor o que poderia ser a obra-prima do remixing. Tarantino é o rei do copy/paste e é o melhor a se apropriar de signos antigos para criar alguma coisa ao mesmo tempo pop/vendável e inovador/vanguardista. Por isso mesmo tem milhões de teses por aí usando o figura para ilustrar conceitos do pós-modernismo. Se todo mundo copia tudo descaradamente, achando que está criando algo inovador, aqui a graça está justamente em expor essas referências e jogar com elas. É o mashup no lugar do remix.

Divirtam-se com o vídeo abaixo.



Os dois vídeos ajudam a jogar nova luz nos estudos acadêmicos e a expor de forma fácil e divertida as manjadas fórmulas da indústria cinematográfica, que explora demais os plots, as estruturas de roteiro, os mesmos personagens e situações, as mesmas fontes e referências. Algo muito bom e positivo deve vir de isso tudo no futuro. Como diria Lars Von Trier, "se você pensar que a história da arte começou quando um homem rabiscou a caverna e comparar com os cem anos da história do cinema, podemos pensar que agora mal sabemos como desenhar um bisão".

Ps. para seguir o projeto do Everything is a remix, fique ligado no twitter dos dois (@remixeverything e @robgwilson) e nos blogs pessoais (http://www.everythingisaremix.info/ e http://robgwilson.com/). As novidades e os próximos vídeos virão por aí.