quinta-feira, 10 de março de 2011

Quando o roteiro, a direção e a montagem são executados com maestria. (ou: as idéias por trás da primeira temporada de In Treatment)


Me deram alta. Hoje finalmente acabei de ver a primeira temporada da série In Treatment (aqui Em Terapia), produção da HBO (atualmente em cartaz em sua terceira temporada). Se você não conhece eis aqui uma rápida publicidade desta primeira temporada da série:



E se você não sabia, a série é uma adaptação de uma produção israelense feita três anos antes com basicamente os mesmos personagens e conflitos desta primeira temporada americana. Aqui a apresentação (mais detalhada que a anterior) da série original:



Algumas idéias que me fizeram ficar viciado na série:
1. O formato é genial. Episódios curtos, de menos de 30 minutos, que vão ao ar de segunda a sexta, cada um deles com o paciente do dia (o de sexta é para supervisão, ou seja, ele é o paciente). Isso não só é um fator viciante como dá um dinamismo bem grande à série; muitas vezes você se pega querendo pular uma semana para descobrir logo o que acontece com o personagem (o que eu na verdade não recomendo).

2. Há ali todo tipo de conflito: amoroso, profissional, familiar, etc. Cada hora você acha que tem mais a ver com um paciente (e um tipo de conflito) e isso costuma variar bastante ao longo da temporada.

3. O roteiro é primoroso. Diálogos objetivos, que conseguem prender e instigar o espectador ao mesmo tempo que garantem bom ritmo e soam naturais em quase todo o tempo (pelo menos para mim), tendo bom desenvolvimento ao longo da temporada.

4. Ao ver o filme Inception/A Origem, de Christopher Nolan, me perguntei se aquilo não poderia ser mais denso e mais perturbador (sendo também mais efetivo), entrando mais na cabeça (aqui também literalmente) dos protagonistas e expondo os conflitos, sem tantas explosões e tiros para tudo que é lado. Algo que seria no final das contas mais complexo e feito, possivelmente, de forma mais barata, já que você não cria tantas situações mirabolantes. Seria algo como o eXistenZ do Cronenberg, só que não tão viajado ou bizarro.

Pois bem, o In Treatment entra nessa categoria. Por que não gastar a meia hora do episódio focando apenas na interação entre as duas pessoas, em um ambiente fixo, sem maiores ações, flashbacks ou representações fictícias do que está sendo falado? Essa era a proposta da série e me parece extremamente efetiva. É dado ao espectador o poder da imaginação (assim como trabalha o psicanalista diariamente) e essa é a graça da coisa.

5. (e aqui chegamos ao tema central deste blog) A série é um ótimo exercício de direção e principalmente, de montagem. Ao trabalhar basicamente com diálogos, um único ambiente, sem maiores apoios cenográficos, com apenas dois atores, sentados, falando por meia hora, é preciso representar os movimentos que, em um processo psicanalítico, representam coisas -falam tanto quanto o diálogo- além de dar bom ritmo e prender o espectador.

Há dois pontos que me parecem especialmente representativos dessa idéia e que ilustram possivelmente as duas coisas mais complicadas do trabalho de montagem:

a. Ação/reação. Um exemplo claro disso tínhamos também nos filmes (também só de diálogos) Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-sol, dirigidos por Richard Linklater. Ao colocar duas pessoas também conversando durante toda a duração do filme, eles tinham que, a todo tempo, mostrar a pessoa que fala (e que sugere algo) e a que que reage (aceitando ou rechaçando algo). Mais que isso, eles tinham que representar em gestos o que não é dito: um olhar que provoca; um não que quer dizer sim; uma levantada de sobrancelha desconfiada. E aí está boa parte do trabalho do montador, sabendo quando mostrar a ação e quando sugerir a reação, durante um diálogo, optando cada hora por um plano diferente. A mesma preocupação existe na série.

b. Quebra de eixo/direção do olhar. Eis uma das coisas mais dificilmente explicadas em aulas de direção e que o montador tem que estar a toda hora atento durante o processo. Ao inverter o eixo da câmera, colocando ela numa posição oposta ao sentido em que estava (em relação à ação), mudam-se as direções de olhar e sentido da ação, confundindo o espectador. O que em geral se atém para não parecer um erro, na série é usado com sentido narrativo. Ao trocar de uma hora para outra o eixo da câmera, passando para o outro lado da ação (do ombro esquerdo para o direito do analista, por exemplo), os olhares dos personagens trocam de direção, fazendo com que estes assumam posturas diferentes. O que antes estava em uma posição de defesa (e olhava para a esquerda da tela em boa parte das vezes) passa a assumir posição de ataque, olhando para o lado oposto. É um fator desconhecido para boa parte do público (que não percebe como tal) mas que certamente acaba influenciado por este tipo de linguagem (ou ao menos temos a tendência a pensar que sim). Dá de qualquer forma uma intenção para cada plano (e aqui valoriza o trabalho do diretor), além de um ritmo e uma dinâmica muito interessante (e o do montador também). Fica muito mais legal analisar o diálogo quando você está ciente dessas coisas; e pode interpretar que papel cada personagem está desempenhando nos diferentes momentos da série.

Tá dada a dica. (se quiser, clique aqui para ver em streaming o primeiro episódio - e ficar viciado para sempre).

3 comentários:

  1. Geralmente eu acho que a programação ea série da HBO não sei sobre você, mas eu acho que é um pouco elitista, tem séries como este que muitas pessoas não entendê-los e leva mais de um capítulo para conseguir pegar a onda, mas os temas são sempre muito divertido, não podemos negar.

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