segunda-feira, 26 de maio de 2014

Uma leitura do que há sob a pele de Sob a Pele, de Jonathan Glazer

AVISO: O texto abaixo contém spoilers. Muitos deles.


Uma mulher misteriosa e extremamente sedutora (e aqui estamos falando da Scarlett Johansson) dirige um carro por estradas e ruas da Escócia, procurando homens. Não qualquer homem: suas "presas" são pessoas da Albânia, da República Tcheca e de outros países do Leste Europeu. Imigrantes, portanto, mas que não se encontram isolados da sociedade em que se encontram: eles estão nas festas, no caminho do supermercado e nas torcidas de futebol. Após a abordagem casual, ela os leva até casas abandonadas e espaços obscuros, para os arrastar para dentro de um líquido preto, aprisionando e esvaziando sua essência.

Passados todos os imigrantes, o projeto de higienização atinge um jovem de 26 anos com deficiência física no rosto. A pessoa que mais leva tempo para sucumbir à sedução da bela mulher é também a primeira a escapar. Despido completamente e com todas as suas deficiências à mostra, volta para a cidade sem entender o que aconteceu.

Daí para a frente, esse ser que devorou tudo se vê obrigado a confrontar os seus próprios problemas de alimentação. O doce e belo não dá mais para engolir e o mundo limpo de coisas e pessoas diferentes parece artificial. É preciso interagir assim com o escocês padrão, que pega ônibus e mantém uma casa simples e desarumada numa periferia sem cor ou graça. O mundo limpo de diferenças é sujo e pobre, no final das contas. Com isso, o ser que devorava corpos é obrigado a olhar para o interior do seu próprio corpo (e não poderia ser feito de forma mais literal).

Resta então se isolar na floresta, essa metáfora recorrente de ambiente misterioso e infinito, que protege ao mesmo tempo que esconde, usada desde os contos de fada a outros filmes de igual abordagem, como é o caso de Lars Von Trier em seu Anticristo e Alex van Warmerdam em seu Borgman (que coleciona prêmios por onde passa e ainda permanece inédito por aqui).

Na floresta, essa mulher agora real e desesperada, encontra o mal verdadeiro que permaneceu o tempo inteiro sob a superfície (da qual se refere o título). A sociedade, no fim, culpa e elimina as diferenças para esconder suas próprias perversões, sempre muito maiores e mais presentes do que podemos imaginar. Nesse contexto violento e pesado, aparece a cor que está por dentro da própria pele, a verdadeira essência, e que pode ser entendida justamente como a de seu oposto.

Jonathan Glazer, que começou na direção dos videoclipes, como os melhores de sua geração, sabe que fazer cinema é buscar a harmonia entre aspectos textuais e visuais e é nesse ponto que Sob a Pele se destaca. Filme cheio de detalhes e com uma linguagem nova e interessante, começa documentário (e as pessoas que entram no carro são, em muitos casos, não atores, sem nem saber que se tratava de um filme); passa para o fantástico de visual complexo, mas feito em cima de poucos e expressivos elementos (as sequências do líquido preto são assustadoras e belas, em igual medida); e termina pura ficção, crua, fria, com silêncios e ruídos marcantes (e nesse ponto, especial atenção para a bela trilha de Mica Levi).

Scarlett Johansson, a mais bela atriz do momento também mostra que sabe escolher papéis como poucos. Depois de roubar a cena no Don Jon/Como Não Perder Essa Mulher de Gordon-Levitt (outro para ficar de olho), atua nesse durante o tempo inteiro do filme e praticamente sem falar, para, no filme seguinte, Ela, de Spike Jonze (um filme igualmente obrigatório), falar muito sem nunca aparecer.

Abaixo, três vídeos que ajudam a entender e mergulhar (o trocadilho é intencional) no universo criado pelo diretor. O primeiro mostra a construção da parte do documentário, com a van equipada para registrar o acaso nas abordagens com as pessoas. O segundo foca na interpretação da Scarlett. E o terceiro mostra as ideias por trás da bela trilha sonora composta para o filme. Aproveitem!





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