segunda-feira, 26 de abril de 2010

A mágica do Chroma Key (e uma idéia sobre o "A Ilha do Medo", de Scorsese)

Sempre gostei de ver como muitos planos eram compostos na pós-produção, depois de serem filmados usando o Chroma Key (ou recorte do fundo azul ou verde, famoso também pelos VJs da MTV). O que antes ajudava a colocar o ator numa cena de ação, como em uma explosão, ou criava simplesmente o fundo para uma cena onde víamos um casal passear de carro, por exemplo, agora participa da filmagem de toda e qualquer cena em filmes como Avatar (2009) ou Capitão Sky e o Mundo de Amanhã (2004) -entre outros de ficção científica-; 300 (2006), Speed Racer (2008) ou Sincity (2005) -em que a idéia é se aproximar do tratamento visual da HQ ou do desenho animado-, entre muitos outros filmes.

O site CGSociety, em uma matéria, explica e ilustra de forma muito didática como foi feita a filmagem e a composição dos planos do filme A Troca (2008), de Clint Eastwood. Tendo que recriar a Los Angeles de 1928, muita coisa foi feita em pós-produção, mas segundo o site o desafio foi interessante já que a composição está em função da "emoção" e não da "explosão de dinamite". No filme eles buscaram algo intermediário entre a filmagem em locações e a de estúdio, usando o Chroma Key para dar mais profundidade e ilustrar melhor o caos que era L.A. na época, a então maior metrópole americana. Explicam que isso gerava um dinamismo melhor para as cenas, além de ficar com uma iluminação mais natural e portanto, mais verdadeira. Nos três quadros abaixo, vemos o ponto de partida e o resultado final, no filme. (No site há também um vídeo bem interessante - que não consigo colocar aqui-, que mostra rapidamente cada uma das camadas acopladas depois, na pós-produção, para outra cena).


Outro bom exemplo de possibilidades do uso do Chroma vemos no Reel da produtora americana Stargate, que trabalha muito com séries para TV. Aqui há estes exemplos de como sair de duas pessoas no fundo verde para um plano geral, com helicópteros, navios em chamas ou o que quer que você imagine.



Este final de semana vi o bom A ilha do Medo (2010), o último do Martin Scorsese. Gostei bastante do resultado e achei muito bacana como o diretor consegue misturar vários gêneros no filme: do policial ao thriller de suspense, com alguns elementos do terror, da ação ou do drama pscicológico. Mas em muitos momentos -como numa cena em que vemos Leonardo DiCaprio à beira de um penhasco; ou logo depois, conversando no carro com um dos policiais do centro psiquiátrico - me incomodei com a forma algo artificial em que a composição foi feita. Para os que viram o filme - e passado o desfeixo - pergunto: seria proposital, até porque alguns compararam elementos da construção do filme com o expressionista O Gabinete do Dr. Caligari (1920), de Robert Wiene? (Mais não falo, que é para não estragar nada para os que não viram).

Pros que viram, recomendo também a leitura de uma "sinopse mínima" feita no dia 14/03 por Zé Geraldo Couto, crítico da Folha, em que ele levanta algumas idéias interessantes relacionadas à este filme.

4 comentários:

  1. Também notei as composições artificiais de "Ilha do Medo", mas desde o princípio as entendi como referências aos filmes do Hitchcock, em especial os da década de 50/60. Mas concordo que o resultado não ficou nada bom, assim como o filme, que mais parece uma listagem de boas idéias e intenções, mas não muito bem executadas. Existem vários filmes (recentes inclusive) que exploram mais nuâncias do embaralhamento entre sonho/realidade. A começar do próprio "Spider" de David Cronenberg, quase um tutorial sobre o assunto.

    Pra mim os dois melhores filmes do Scorsese (por que 12 em cada 10 pessoas escrevem "Scorcese"?) nesta década ainda são "Gangs of New York" e "The Aviator".

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  2. Esse é o ponto, seu Laerte. Acho que ele tinha que ir mais longe, ter umas sacadas visuais mais elaboradas, tanto para representar melhor o embaralhamento entre sonho/realidade, como se quisesse mesmo homenagear o Hitchcock dos anos 50/60. Tentar fazer isso deixando o Chroma tosco não faz muito sentido, além de deixar meio feio. Pelo menos deixasse tudo então um pouco mais exagerado. Nesse ponto, ele mesmo já fez uma bela homenagem ao Hitchcock recentemente, na propaganda da Freixenet, que aqui sim ele acerta tanto no visual como no formato. Você viu? (dá para ver em: http://www.scorsesefilmfreixenet.com/video_eng.htm)

    E dos últimos dele gosto bem do "Vivendo no Limite", mesmo tendo o Nicolas Cage. (Mas é de 99 e não conta como "da última década, não?). Ainda não vi "Aviador", falta grave. "Gangues..." é melhor que "A ilha do Medo", com certeza. E "Spider" sim é genial nesse sentido, mas Cronenberg joga em outra liga. Indo mais longe, poderíamos comparar "A ilha do Medo" com "12 Macacos"? Outro que entra melhor na paranóia do protagonista e mistura melhor as coisas (mas a proposta é um bocado diferente também).
    (E obrigado pelo "scorSese"). Abraços.

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  3. Embora me incomode um pouco esses problemas visuais do filme, minha birra principal fica mesmo com o roteiro, que, por mais que tente disfarçar, é muito linear e sem surpresas. Por mais que o filme tenha paralelos com "Spider", "12 Monkeys", etc, acho que (inclusive pelo fator estético) o Scorsese buscou em primeiro lugar criar um bom filme de terror/suspense, e nisso não teve muito sucesso.

    Visto que sentir medo ou terror na sala de cinema é (pelo menos pra mim) algo impossível, eu meço o sucesso de um filme de suspense pela sua capacidade de semear dúvidas no espectador. O filme deve ter uma lógica interna sólida, mas em alguns momentos deve subverter suas regras, sem nunca porém chamar atenção para elas. Como na cena de "O Exorcista" em que o padre revela ter jogado água comum, e não água benta, no "demônio". O que isso quer dizer? Sei lá, ninguém sabe, mas faz você pensar algumas coisas. "O Iluminado", "A Bruxa de Blair" e outros possuem momentos parecidos.

    "Ilha do Medo" infelizmente explica todos os seus mistérios de maneira satisfatória e sem espaço para outras interpretações, o que acaba enfraquecendo o filme. Resta ficar ouvindo a trilha sonora, que é de longe a melhor coisa do filme.

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  4. Na "Rolling Stone" desse mês tem uma entrevista de 1990 com o Scorsese em que ele fala que:
    "Acho que seria um erro subverter o gênero. O que eu vou tentar fazer no futuro, espero, é tentar misturar o gênero comigo, em certo sentido - com a minha expressão dele, com os elementos pelos quais eu me interesso para ver se não faz sair demais dos trilhos. Não sei se consigo".

    Estão comparando esse filme com muita coisa, inclusive com o Shayamalan, nesse hábito terrível de jornalistas de, viu um filme, já sai tentando achar paralelos ou forçar umas comparações. No final das contas o Shutter Island não é um típico filme de gênero; é isso aí que ele falou de trazer o gênero para ele, com umas tantas liberdades. Não tem as convenções de um filme de suspense ou de terror e isso desagrada a muita gente mas, por outro lado, ajuda um bocado, no sentido de não ficar tão previsível como boa parte dos filmes de terror ou suspense. Dava para ter esse tratamento visual melhor que falamos e dava também (como você falou) para o roteiro ter mais conexões, mais detalhes que enriquecessem a história e a trama e principalmente, não ficar tudo tão explicadinho no final. Mais ou menos como faz bem o Lost, que cria duas perguntas para cada coisa que responde (se bem que agora, na última temporada, eles só estão preocupados em responder mesmo).

    Mas tanto o Shayamalan, como "A Bruxa de Blair", "O Exorcista" e uns tantos outros, tentam se apegar às características dos filmes de gênero, já que o público até busca isso neles, e acho que o Scorsese tenta fugir dessa lógica. Nesse sentido acho bem válido o que ele faz, até porque mistura umas outras coisas e faz esse gênero, algo híbrido, que eu falava lá em cima. E esses gêneros distintos até tem tratamentos visuais diferentes, como a parte dele com a mulher, os sonhos, a relação com os elementos - terra, água, ar e fogo - e umas outras coisas. Mas em não querer entrar no gênero ele também deixa tudo meio mal amarrado. Por um lado, acaba não sendo nem uma coisa nem outra - e esses tratamentos diferentes também não ajudam muito no final das contas; justamente por parecerem sem intenção. Mas ainda assim acho a tentativa interessante e o filme fica com certeza, acima da média do cinema americano. Não?

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