quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A crítica da crítica (ou: como não fazer entrevistas por email)

Na edição número 15 da "Teorema" (dezembro/2009), revista de críticas de cinema, foi publicada uma entrevista (feita por Rodrigo Fonseca) com o cineasta e também ator japonês Takeshi Kitano. Este é conhecido (e sempre presente nas mostras de cinema brasileiras) por filmes tão diferentes como Hana Bi- Fogos de Artifício, Zatoichi, Dolls, Brother, entre outros. A entrevista é feita por e-mail, "com a ajuda de um intérprete", como diz a apresentação, o que certamente dificulta a seqüência das perguntas e o direcionamento do tema previsto pelo entrevistador.


Mas vamos aos fatos.

A entrevista tem (de forma resumida) essa estrutura:

Pergunta 1: Comparação do penúltimo filme do diretor com o Oito e Meio do Fellini.
Pergunta 2: Qual o papel do diretor no cinema japonês contemporâneo?
Pergunta 3: Influência de realizadores japoneses como Kurosawa, Ozu e Mizoguchi. Opinião sobre Nagisa Oshima e Shohei Imamura.
Pergunta 4: Opinião sobre animação e o Akira, de Katsuhiro Otomo.
Pergunta 5: Opinião sobre as adaptações de Hollywood aos filmes de gênero, como O Chamado, O Grito ou Água Negra.
Pergunta 6: Relação com o cinema brasileiro (!!!)

Para daí vir aqui o melhor de tudo; as frases finais da entrevista; a resposta do diretor japonês:

"Desde que tenho andado pelos festivais, eu tenho sido inundado por perguntas acerca da influência de Fellini, de Godard e Jean-Pierre Melville, de Kurosawa, de Ozu e de Mizoguchi em minha obra. Conforme essas perguntas se repetiam, repetia-se o meu embaraço pelo fato de nunca ter visto nada desses realizadores até aquele momento. Foi quando comecei a ver filmes com disciplina. Foi uma decisão quase forçada".

Isso aponta para alguns fatores que sempre me incomodaram na tal da "crítica" de cinema:

1. Por que perguntar para um diretor a opinião dele sobre os demais? E mais: para quê perguntar a opinião dele sobre exemplos alheios ao seu universo e obra (como o cinema brasileiro, a animação ou os filmes de gênero, nesse caso). Diretor faz filme e não necessariamente, vê filmes. Quem precisa ter repertório é (necessariamente) a crítica, não o cineasta.

2. Por que, ao invés, não se aprofundar nas idéias por trás dos filmes do diretor; nas escolhas estéticas dele; na concepção dos personagens; na diferença de planejamento ou mesmo, de produção, de filmes orientais e ocidentais; como ele vê o próprio ofício e o que busca inovar em cada filme; etc.

3. Por que a crítica esforça-se tanto em mostrar que têm repertório ao invés de mostrar que consegue tirar proveito das idéias de um diretor para ampliar o conhecimento geral sobre cinema?

Fica pelo menos a impressão de que o repórter (e a revista) gastaram uns 15 minutos para planejar tal entrevista (tirando a produção - de conseguir o contato do diretor); que os leitores saíram frustrados e aprenderam pouca coisa sobre o universo e os filmes do diretor; e que a imprensa (em especial a brasileira) esforça-se em repetir o que outros críticos de outros países fazem - perguntam as mesmas coisas, em cima das mesmas referências.

Sorte da revista, do repórter e do leitor que o cineasta é simpático e consegue, ainda assim, fornecer algumas informações interessantes. Poucas, é verdade.

8 comentários:

  1. concordo TANTO com esses 3 fatores que te incomodaram. "para quê perguntar a opinião dele sobre exemplos alheios ao seu universo e obra (como o cinema brasileiro...)". coisa mais mala.

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  2. Eu ainda acrescento o quanto é chato nego não parar de falar dos mesmos caras - Fellini, Antonioni, Kurozawa, Kubrick, blablabla - para explicar qualquer filme. Isso não é nem ter referência, é cair no chavão. Referência era se o cara achasse um paralelo gigante com, sei lá, um filme dos Trapalhões.

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  3. Boa! eu tava pensando em fazer até um novo post sobre isso. No Brasil, acho que os jornalistas ganham por referência. Citou Truffaut 5 vezes por mês, ganha 13º no final do ano. Não acha que funciona assim? hehehe

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  4. Total! Dá até pra fazer a lista de autores-chavão a serem citados de acordo com a reação do crítico:
    - Se o crítico riu: Chaplin e Woody Allen
    - Se achou fofinho: Truffaut
    - Se achou meio japonês: Kurozawa
    - Se não entendeu patavinas: David Lynch
    - Se achou meio doidão: Fellini
    - Se pareceu profundo: Kubrick ou Antonioni
    - Se pareceu profundo E filosófico: Win Wenders
    - Se o autor escreveu um livro acompanhando o filme: Tarkovski
    - E, é claro, não importa o filme, cedo ou tarde tem que falar do Glauber Rocha.

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  5. é bolão de jornalista. estilo: "duvido que você consiga meter orson welles na resenha de 'Xuxa e o mistério da Feiurinha'". "Se conseguir fazer alguma ligação entre Xuxa, Orson Welles e Glauber Rocha ainda te pago o almoço". Como jornalista não ganha dinheiro e trabalha só para ganhar jabá dos outros, acabam topando essas coisas... :)

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  6. Parabéns pelo blog, muito bacana a idéia de aprofundar a reflexão sobre edição!
    abs
    Fabio (qusenove.blogspot.com)

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  7. Obrigado Fabio. Legal também o seu blog. Legal saber que somos muitos a pensar e criticar o audiovisual.
    Um abraço.

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  8. muito boa a "critica" sr. corta-e-cola!rs...
    o terceiro ponto levantado por ti pra mim é a essencia nao so desse problema relativo ao cinema e tals...mas de muitos problemas do homem moderno. é o tal do "eu" tapando um possivel olhar sobre todo o resto q num seja o proprio "eu". e dai...dai puff. nada de realmente se jogar no q o outro teria a te passar, experiencias, olhares, opinioes, silencios...arte. pq o q importa...o q o move...é o "eu".
    e num é q wilde, no seu famoso prefacio sobre o artista e a arte (presente no "Retrato de Dorian Gray"), toca de forma tao simples e intensa essa questao da critica sobre a arte?!

    "O critico é aquele que pode traduzir em diversas formas ou em nova substancia a sua impressao das coisas belas. Tanto as mais elevadas, quanto as mais infimas formas de critica sao um tipo de autobiografia. Aqueles que avistam feios significados nas coisas belas sao corruptos sem serem fascinantes. Isso é um erro. Aqueles que avistam belos significados nas coisas belas sao as pessoas cultas (ps:abertas ao conhecimento de fato!). Para elas tem esperança. Esses sao os eleitos: para eles as coisas belas significam somente beleza".

    ecco!
    e q opinioes como as tuas ajudem a escancarar o olhar...

    beijo beijo,
    juju accioly.

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